26 outubro 2015

(945) UMA COMÉDIA VERMELHA.


Entre as misérias que o salazarismo nos legou, uma das piores foi o mito de que o PCP combateu a ditadura em nome da liberdade.

No mundo real, o PCP lutava por uma ditadura mais repressiva, da qual aliás se espreitou o grotesco rosto em 1975. 

Em 2015, é ridículo - e sobretudo triste - ter de o lembrar.

 Mas a lenda da "generosidade" comunista resistiu ao 25 de Novembro, à queda do Muro e à enésima divulgação das carnificinas pedagógicas inspiradas por Marx.

 Em países sem tradição autocrática recente, o comunismo, em qualquer das sangrentas variantes, é o tique nervoso de uns poucos excêntricos, geralmente confinados à universidade ou ao manicómio.

Graças ao Estado Novo, os comunistas nativos chegam a 20% no Parlamento.

 E, em estimativa moderada, a uns 50% nos media.

É por isso que, por cá, cada avanço da "extrema-direita" no "estrangeiro" equivale às trombetas do Apocalipse, enquanto a ascensão caseira de PCP e BE é a abertura necessária a forças e eleitores injustamente marginalizados.

Nestes dias, não faltam idiotas úteis e inúteis a celebrar o fim do "arco da governação".

Embora feiinha, a expressão não é absurda: convém limitar o governo de uma democracia a partidos cujo desígnio não consista na aniquilação da dita.

Isto para dizer que Cavaco Silva esteve bem.

Imagine-se uma história alternativa.

Imagine-se que o PS ganhava as eleições sem maioria nem indícios de apoio parlamentar.

Imagine-se que o PSD e o CDS ensandeciam e namoravam os deputados do PNR e do recém--legalizado MIRN para estabelecer uma frente de direita e formar governo.

Imagine-se que o presidente António Guterres rejeitava a possibilidade sob o argumento de que a frágil situação nacional não deveria ser comprometida por forças avessas aos, cito, "grandes compromissos", do euro à NATO, do Tratado Orçamental à UE.

 Quantos dos que agora berram contra a "parcialidade" de Cavaco Silva berrariam nesse dia contra a "parcialidade" de Guterres?

Desconfio que poucos: para a esquerda, a parcialidade naturalmente só incomoda quando não a beneficia. Os ataques desenfreados de Soares às maiorias de Cavaco (ambas sem o MIRN e o PNR) foram uma espectacular manifestação de consciência cívica.

Os truques de Sampaio para despachar a maioria absoluta da "direita" (de novo sem o MIRN e o PNR) e consagrar Sócrates foram a prova de que tínhamos estadista. A aparente rejeição de Cavaco a qualquer "solução" que envolva a extrema-esquerda é, a acreditar no berreiro que por aí vai, uma vingança inconstitucional.

Apenas um pormenor: não é. A Sagrada Constituição permite que o PR faça o que ameaçou fazer e, face ao avanço de radicais perigosos e derrotados, prefira um governo dito de "gestão".

A esquerda não gosta?

A "direita", por acaso a "direita" que elegeu Cavaco Silva, sim.

Legalidade por legalidade, legitimidade por legitimidade, é tudo questão de gosto.

Eu limito-me a achar que as consequências de um governo limitado na decisão são menos nefastas do que as consequências de um governo ilimitado na alucinação.

Haverá quem ache o contrário e julgue que o PR escolheu o partido em lugar do país. 

Por acaso, é evidente que escolheu o país em lugar do partido: para o PSD (e a coligação), oito meses de oposição a um bando de nulidades chantageadas por fanáticos seria uma mina eleitoral.

Seria porém uma calamidade talvez definitiva para Portugal.

Se, como é plausível, Passos Coelho e Portas recusarem o arranjo da "gestão", assistirão na plateia à comédia da "muralha de aço" (este PS demente já adoptou a expressão) e, lá para Julho, garantem maioria nunca vista.

O problema é que, entretanto, o hilariante espectáculo terá tornado anacrónica a proverbial comparação com a Grécia: a curto prazo, habilitamo-nos a ser a Venezuela.

 E não sobrará ninguém para rir.

25 DE OUTUBRO DE 2015



Boa noite.