(945) UMA COMÉDIA VERMELHA.
Entre
as misérias que o salazarismo nos legou, uma das piores foi o mito de que o PCP
combateu a ditadura em nome da liberdade.
No mundo real, o PCP lutava por uma ditadura
mais repressiva, da qual aliás se espreitou o grotesco rosto em 1975.
Em 2015,
é ridículo - e sobretudo triste - ter de o lembrar.
Mas a lenda da "generosidade"
comunista resistiu ao 25 de Novembro, à queda do Muro e à enésima divulgação
das carnificinas pedagógicas inspiradas por Marx.
Em países sem tradição autocrática recente, o
comunismo, em qualquer das sangrentas variantes, é o tique nervoso de uns
poucos excêntricos, geralmente confinados à universidade ou ao manicómio.
Graças ao Estado Novo, os comunistas nativos
chegam a 20% no Parlamento.
E, em estimativa moderada, a uns 50% nos media.
É
por isso que, por cá, cada avanço da "extrema-direita" no
"estrangeiro" equivale às trombetas do Apocalipse, enquanto a
ascensão caseira de PCP e BE é a abertura necessária a forças e eleitores
injustamente marginalizados.
Nestes dias, não faltam idiotas úteis e
inúteis a celebrar o fim do "arco da governação".
Embora feiinha, a
expressão não é absurda: convém limitar o governo de uma democracia a partidos
cujo desígnio não consista na aniquilação da dita.
Isto para dizer que Cavaco
Silva esteve bem.
Imagine-se
uma história alternativa.
Imagine-se que o PS ganhava as eleições sem maioria
nem indícios de apoio parlamentar.
Imagine-se que o PSD e o CDS ensandeciam e
namoravam os deputados do PNR e do recém--legalizado MIRN para estabelecer uma
frente de direita e formar governo.
Imagine-se que o presidente António Guterres
rejeitava a possibilidade sob o argumento de que a frágil situação nacional não
deveria ser comprometida por forças avessas aos, cito, "grandes
compromissos", do euro à NATO, do Tratado Orçamental à UE.
Quantos dos que agora berram contra a
"parcialidade" de Cavaco Silva berrariam nesse dia contra a
"parcialidade" de Guterres?
Desconfio
que poucos: para a esquerda, a parcialidade naturalmente só incomoda quando não
a beneficia. Os ataques desenfreados de Soares às maiorias de Cavaco (ambas sem
o MIRN e o PNR) foram uma espectacular manifestação de consciência cívica.
Os
truques de Sampaio para despachar a maioria absoluta da "direita" (de
novo sem o MIRN e o PNR) e consagrar Sócrates foram a prova de que tínhamos
estadista. A aparente rejeição de Cavaco a qualquer "solução" que
envolva a extrema-esquerda é, a acreditar no berreiro que por aí vai, uma
vingança inconstitucional.
Apenas
um pormenor: não é. A Sagrada Constituição permite que o PR faça o que ameaçou
fazer e, face ao avanço de radicais perigosos e derrotados, prefira um governo
dito de "gestão".
A esquerda não gosta?
A
"direita", por acaso a "direita" que elegeu Cavaco Silva,
sim.
Legalidade por legalidade, legitimidade por
legitimidade, é tudo questão de gosto.
Eu
limito-me a achar que as consequências de um governo limitado na decisão são
menos nefastas do que as consequências de um governo ilimitado na alucinação.
Haverá
quem ache o contrário e julgue que o PR escolheu o partido em lugar do país.
Por acaso, é evidente que escolheu o país em lugar do partido: para o PSD (e a
coligação), oito meses de oposição a um bando de nulidades chantageadas por
fanáticos seria uma mina eleitoral.
Seria
porém uma calamidade talvez definitiva para Portugal.
Se, como é plausível,
Passos Coelho e Portas recusarem o arranjo da "gestão", assistirão na
plateia à comédia da "muralha de aço" (este PS demente já adoptou a
expressão) e, lá para Julho, garantem maioria nunca vista.
O problema é que,
entretanto, o hilariante espectáculo terá tornado anacrónica a proverbial
comparação com a Grécia: a curto prazo, habilitamo-nos a ser a Venezuela.
E não sobrará ninguém para rir.
25 DE OUTUBRO DE 2015
Boa noite.
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