(940) Quem sente saudades da cidade dos mortos?
Há muitos meses que não leio este intragável Pravda,
para não assistir o meu Barreiro, eternamente, entregue a meia dúzia de idiotas, à "direita" e à "esquerda".
Hoje , curiosamente, a leitura deste Pravda - que me encoleriza ( por causa de um jornalismo bacoco à António Ferro para agradar a Salazar ) - trouxe à minha memória As
Cidades Invisíveis de Italo Calvino.
Acalmei!
“Nunca se deve confundir
a cidade com o discurso que a descreve.
E contudo entre eles há uma relação,
assim falava Marco Polo ao sábio Kublai o Grão Kan.
Em Melânia ou no Barreiro, sempre que se entra numa praça,
fica-se no meio de um diálogo:
o soldado fanfarrão e o parasita ao sair de uma
porta deparam-se com o jovem perdulário e a meretriz: ou o pai avaro da soleira
dá as últimas recomendações à filha apaixonada e é interrompido pelo servo
palerma que vai levar um bilhete à alcoviteira.
Volta-se a Melânia ou ao Barreiro passados anos e
reencontra-se o mesmo diálogo que continua:
entretanto morreram o parasita, a
alcoviteira, o pai avaro; mas o soldado fanfarrão, a filha apaixonada e o servo
palerma tomaram os seus lugares, por sua vez substituídos pelo hipócrita, pela
confidente e pelo astrólogo.
A população de Melânia ou do Barreiro renova-se: os
dialogantes morrem um a um e entretanto nascem os que tomarão lugar por sua vez
no diálogo, quer num papel ou noutro.
Quando alguém muda de papel ou abandona a praça para sempre
ou faz a sua estreia, produzem-se alterações em cadeia, enquanto não são distribuídos
de novo papeis; embora nenhum deles conserve os olhos e a voz que tinha na cena
anterior.
Acontece às vezes um único dialogante representar ao mesmo
temo dois ou mais papéis:
tirano, benfeitor, mensageiro; ou que um papel seja desdobrado,
multiplicado, atribuído a cem, a mil habitantes de Melânia ou de Barreiro: três
mil para o hipócrita, trinta mil para o escroque, cem mil filhos de reis caídos
em desgraça que aguardam o reconhecimento “.
Boa noite.
nota:
" O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir: se houver um, é o que já está aqui no Barreiro o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos.
Há dois modos para não o sofremos .
o primeiro torna-se fácil para muita gente : aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos .O segundo é arriscado e exige um atenção e um a aprendizagem contínuas:
TENTAR E SABER RECONHECER, NO MEIO DO INFERNO, QUEM E O QUE NÃO É INFERNO, E FAZÊ-LO VIVER, E DAR-LHE LUGAR."
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