20 outubro 2014

(940) Quem sente saudades da cidade dos mortos?


Há muitos meses que não leio este intragável Pravda,

 para não assistir o meu Barreiro, eternamente, entregue a  meia dúzia de idiotas, à "direita" e à "esquerda".

Hoje , curiosamente, a leitura  deste Pravda - que me encoleriza ( por causa de um jornalismo bacoco à António Ferro para agradar a Salazar ) -   trouxe à minha memória As Cidades Invisíveis de Italo Calvino.

Acalmei!

 “Nunca se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve

E contudo entre eles há uma relação, assim falava Marco Polo ao sábio Kublai o Grão Kan.

Em Melânia ou no Barreiro, sempre que se entra numa praça, fica-se no meio de um diálogo: 

o soldado fanfarrão e o parasita ao sair de uma porta deparam-se com o jovem perdulário e a meretriz: ou o pai avaro da soleira dá as últimas recomendações à filha apaixonada e é interrompido pelo servo palerma que vai levar um bilhete à alcoviteira.

Volta-se a Melânia ou ao Barreiro passados anos e reencontra-se o mesmo diálogo que continua: 

entretanto morreram o parasita, a alcoviteira, o pai avaro; mas o soldado fanfarrão, a filha apaixonada e o servo palerma tomaram os seus lugares, por sua vez substituídos pelo hipócrita, pela confidente e pelo astrólogo.

A população de Melânia ou do Barreiro renova-se: os dialogantes morrem um a um e entretanto nascem os que tomarão lugar por sua vez no diálogo, quer num papel ou noutro.

Quando alguém muda de papel ou abandona a praça para sempre ou faz a sua estreia, produzem-se alterações em cadeia, enquanto não são distribuídos de novo papeis; embora nenhum deles conserve os olhos e a voz que tinha na cena anterior.

Acontece às vezes um único dialogante representar ao mesmo temo dois ou mais papéis:

tirano, benfeitor, mensageiro; ou que um papel seja desdobrado, multiplicado, atribuído a cem, a mil habitantes de Melânia ou de Barreiro: três mil para o hipócrita, trinta mil para o escroque, cem mil filhos de reis caídos em desgraça que aguardam o reconhecimento “.


Boa noite.

nota:

 " O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir: se houver um, é o que já está aqui no Barreiro o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos.

Há dois modos para não o sofremos .

o primeiro torna-se fácil para muita gente : aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos .O segundo é arriscado e exige um atenção e um a aprendizagem contínuas: 

TENTAR E SABER RECONHECER, NO MEIO DO INFERNO, QUEM E O QUE NÃO É INFERNO, E FAZÊ-LO VIVER, E DAR-LHE LUGAR."