29 julho 2008

A DESCOLONIZAÇÃO ABERRANTE: ENTENDER O “RACISMO” DE ONTEM PARA COMPREENDER O RACISMO DE HOJE.

Este tema ainda enerva pessoas de bom senso que saibam do que se fala.
Um tabu miserável, da sociedade portuguesa, como miserável é a história escondida da chamada guerra do Ultramar (para os que lá estiveram) ou da guerra Colonial (para os que fugiram) e da dita “descolonização” e dos “colonizados”.
O tema querido dos nossos jornalistas do “racismo do politicamente correcto” não é de hoje!
A historiadora e jornalista Helena Matos, sem medos, recorda hoje no Público, a parte da história portuguesa mal contada. Não resisti a trazer aqui as passagens essenciais.

(…) na secção Local , uma noticia intitulada Desordem em Loures provocou nove feridos transcrevia umas breves declarações do comando Metropolitano da PSP para em seguida passar descrever, sem mais explicações, o assalto a um supermercado em Setúbal.
Não sendo Lisboa em matéria de crime a cidade do Rio de Janeiro, nove feridos “ numa desordem entre moradores “ mereceria outro tratamento.


Logo aí tinha começado a explicação sociológica dos mesmos:

“ na Quinta da Fonte os habitantes têm “carências sociais e económicas “,
estando muitos dos moradores no desemprego ou a receber o rendimento Social Garantido “

(os pobres são de facto, umas almas pacientes, pois não só raramente se revoltam como ainda têm todos os dias de ouvir, a propósito dos mais inqualificáveis comportamentos ou crimes que isto se deve às “carências sociais e económicas)

caiu por terra a estapafúrdia versão dos moradores que se desforram das suas carências desatando aos tiros entre si.

Mas o que sucedia na Quinta da Fonte não era a história que os jornalistas estavam preparados para contar.

Na Quinta da Fonte, estava suposto que negros e ciganos se davam muito bem e cruzavam flamengo com kizomba.

A existir alguma intolerância, ela teria de nascer no meio de brancos, de preferência taxistas, sempre se arranjaria algum branco que, tendo comprado um andar à antiga cooperativa, temia agora que tão colorida vizinhança lhe desvalorizasse o investimento.

A realidade trocou as voltas aos jornalistas.

E estes ficaram sem palavras para contar a história, tanto mais que havia que escrever ciganos e pretos, termos que, por escrito, só podem existir para falar de festas, casamentos, tradições, ONG e denúncias do racismo praticado pelos brancos.

Tal como o deveria ser tudo o que não escrevemos sobre a partida dos portugueses de África.

Entre Agosto de 1974 e o início de 1975 os portugueses em fuga de África mal se vêem nas páginas dos jornais.

É claro que se fala deles mas com o incómodo e os rodeios de quem tem de dar uma má noticia no meio duma festa.

Esta é a fase em que os fugitivos são necessariamente brancos pois facilmente se integram no estereótipo que deles traçam homens como Rosa Coutinho que os classifica como “ elementos menos evoluídos que têm medo de perder as suas regalias “ ou Vítor Crespo que os define como “ pessoas racistas que não abdicam dos seus privilégios “.

Os jornalistas portugueses usam então tranquilamente expressões como
“ brancos ressentidos”, "brancos em pânico” ou pessoas que “reivindicam um desejo de viver um mundo que já acabou”

para referir a maior fuga de portugueses nos seus muitos séculos de história.

Os primeiros a chegar, logo em Agosto de 1974, ainda tiveram jornalistas à espera.
Mas semanas depois, quando a catástrofe se torna não só óbvia como incontornável, as noticias sobre o “regresso dos colonos “ quase desaparecem e o que temos cada vez
mais são longos artigos sobre a descolonização cheios de declarações de líderes ou candidatos a tal.

Jornais enviam repórteres, estes relatam com detalhe e parcialidade as lutas pelo poder nos diversos movimentos – sobretudo em Angola.

O drama das pessoas parece-lhes uma fatalidade histórica.

Fatalidade aliás inscrita no termo por que haveriam de ficar conhecidos: passada a fase caricatural dos “colonos brancos”, ainda se experimentou “ deslocados do Ultramar “ ou desalojados.

Por fim surgiu o salvífico termo “ retornado”, pese muitos deles não estarem a retornar a parte alguma porque simplesmente tinham nascido e vivido toda a vida em África.

Refugiados, termo usado então e agora com bastante ligeireza, é que eles nunca puderam ser.

(..) os mesmos jornalistas que poucos anos antes tinham denunciado vivamente a expulsão de Portugal do dançarino Béjart eram agora incapazes de criticar a expulsão de Angola e Moçambique de jornalistas estrangeiros .

E de que eram acusados esses jornalistas?

Fazer notícias fundamentadas em “ opiniões particulares “. Ou seja ouvirem as histórias das pessoas e não apenas as versões da História que os dirigentes repetiam.

Não existe uma data precisa para definir o momento em que se tornou patente que os retornados estavam longe de ser todos brancos, mas quando a ponte aérea os fez desembarcar às centenas de milhar em Lisboa tornou-se evidente que muitos deles eram negros, mulatos, indianos… com cores e hábitos de vida muito distantes do tal boneco do fazendeiro branco de chicote na mão, a que inicialmente foram reduzidos.

Perante o mal-estar que a sua simples existência causava os fugitivos passaram rapidamente da caricatura ao esquecimento.

“ Por favor não me contes a tua história” – é um pedido que nenhum jornalista verbalizará. Mas, no silêncio e na falta de nexo de muitos textos é esse pedido que se encontra.