18 abril 2006

APRENDER COM ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO

(continuação)

( extractos da quarta , de oito cartas)

Há uma tela de Rochegrosse intitulada Angoisse humaine.
É um quadro que representa a vida.


No primeiro plano muitas criaturas erguem o braço para chegar mais alto.

Homens de casaca tão correctos como se fôssem para um baile.
Há mulheres decotadas vestidas em rigor.
Homens condecorados e homens banais, velhos e moços, misturam-se e empurram-se, disputando-se numa agonia pavorosa, num combate sem nome.

Aquele monte é a
Ambição de subir, de que fala Vieira.

Atrás, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma maré cheia de cabeças ululantes, estranguladas pela ambição, correndo,empurrando-se, pisando os que ficam, agarrando-se de pés e mãos, como se após viessem também correndo numa perseguição fantástica, as ondas dum novo dilúvio.

Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros.

O lugar é disputadao a sôco, a murro, a dente.

O caminho que na vida leva ao triunfo é uma scena medonha que mais parece a fuga duma derrota.

A tela é violenta e verdadeira.

A vida é aquilo, assim enérgica, sinistra, brutal.
Não há trégua, não há descanso.

Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se êle cai, e tripudia, espreita se êle sobe, e inveja-o.

Tôda aquela populaça, tôdas aquelas criaturas cuidam só em subir.
Por cada um que tomba avançam mil.

Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, é que triunfa.

Nada de piedade nem de compaixão.
Se não esmagares serás esmagado.

Não há tempo de olhar, nem de pensar sequer.

Avançar seja como fôr, custe o que custar.

Amanhã é tarde, depois é impossivel.

Tudo na vida é mudável, tudo na vida é transitório.

Tudo passa , tudo esquece.

Ai dos que param, ai dos vencidos.

O crespúsculo cai suavemente.


Albino Forjaz de Sampaio
Da Academia das Sciências de Lisboa
in
PALAVRAS CÍNICAS
1905

(continua)