(722) II APRENDENDO COM ANTERO DE QUENTAL.
Vila do Conde, 26 de Julho de 1884
Meu simpático Amigo (Henrique das Neves)
Há não sei quantos meses lhe devo uma carta e só agora me é possível escrevê-la […]
Mas tenho que tocar nisto porque desejo muito que o meu amigo fique certo de que foi exclusivamente este embaraço e quase impossibilidade (“o estado desgraçado dos nervos “que não lhe permitiam que escrevesse) que me inibiu de cumprir com a promessa de escrever alguma coisa no seu jornal - A Gazeta Açoriana - , e que foi com pena que o vi acabar - a 30 de Abril de 1883 - antes de eu ter podido desobrigar-me.
Quanto ao jornal, sem ser astrólogo eminente, tirei-lhe o horóscopo logo à nascença, e concluí do seu mesmo merecimento que brevíssima lhe seria a duração.
O que diz do jornalismo em São Miguel (e devia dizer em Portugal) são verdades puras.
Mas deixe-me dizer-lhe – e nisto é que não é suficientemente filósofo objectivo – que elabora em ilusão supondo que é possível criar e fazer durar uma publicação superior em moralidade e ilustração ao nível moral e intelectual do público.
É ilusão supor isso, porque não lendo ninguém senão o que lhe agrada, o público nunca favorecerá senão o que estiver à sua altura, e por isso o jornal para durar, será sempre e necessariamente o espelho lisonjeiro do público e não o seu mestre severo.
Os jornais só vivem fazendo-se os confidentes de comédia do público, das suas paixões, dos seus erros, das suas ilusões, e não os seus apóstolos.
Bem sabe que o próprio do apóstolo é ser lapidado.
Dir-me-á que nalguns países há jornais dignos, morais, inteligentes e desinteressados que se sustentam.
Responder-lhe-ei que isso prova simplesmente que nesses países há já um grupo de leitores, uma camada social dotada dessas virtudes e qualidades, forte bastante em número para poder sustentar um jornal que seja órgão dessas suas aspirações.
A morte do seu jornal é mais uma prova de que em Portugal não existe ainda tal camada social ou grupo de leitores.
Isso é desconsolador, mas … qu’y faire?
Muito tempo será necessário, e muitas revoluções, para que isto mude.
Até lá a nossa atitude deve ser a dos estóicos antigos: o protesto sem ilusões.
[…] Do seu amigo muito Obrigado.
Anthero de Quental
In Obras Completas /Antero de Quental /Cartas II 1881-1891 /Universidade dos Açores
/Páginas 708 e 709.
O itálico é meu.
Boa noite.
Meu simpático Amigo (Henrique das Neves)
Há não sei quantos meses lhe devo uma carta e só agora me é possível escrevê-la […]
Mas tenho que tocar nisto porque desejo muito que o meu amigo fique certo de que foi exclusivamente este embaraço e quase impossibilidade (“o estado desgraçado dos nervos “que não lhe permitiam que escrevesse) que me inibiu de cumprir com a promessa de escrever alguma coisa no seu jornal - A Gazeta Açoriana - , e que foi com pena que o vi acabar - a 30 de Abril de 1883 - antes de eu ter podido desobrigar-me.
Quanto ao jornal, sem ser astrólogo eminente, tirei-lhe o horóscopo logo à nascença, e concluí do seu mesmo merecimento que brevíssima lhe seria a duração.
O que diz do jornalismo em São Miguel (e devia dizer em Portugal) são verdades puras.
Mas deixe-me dizer-lhe – e nisto é que não é suficientemente filósofo objectivo – que elabora em ilusão supondo que é possível criar e fazer durar uma publicação superior em moralidade e ilustração ao nível moral e intelectual do público.
É ilusão supor isso, porque não lendo ninguém senão o que lhe agrada, o público nunca favorecerá senão o que estiver à sua altura, e por isso o jornal para durar, será sempre e necessariamente o espelho lisonjeiro do público e não o seu mestre severo.
Os jornais só vivem fazendo-se os confidentes de comédia do público, das suas paixões, dos seus erros, das suas ilusões, e não os seus apóstolos.
Bem sabe que o próprio do apóstolo é ser lapidado.
Dir-me-á que nalguns países há jornais dignos, morais, inteligentes e desinteressados que se sustentam.
Responder-lhe-ei que isso prova simplesmente que nesses países há já um grupo de leitores, uma camada social dotada dessas virtudes e qualidades, forte bastante em número para poder sustentar um jornal que seja órgão dessas suas aspirações.
A morte do seu jornal é mais uma prova de que em Portugal não existe ainda tal camada social ou grupo de leitores.
Isso é desconsolador, mas … qu’y faire?
Muito tempo será necessário, e muitas revoluções, para que isto mude.
Até lá a nossa atitude deve ser a dos estóicos antigos: o protesto sem ilusões.
[…] Do seu amigo muito Obrigado.
Anthero de Quental
In Obras Completas /Antero de Quental /Cartas II 1881-1891 /Universidade dos Açores
/Páginas 708 e 709.
O itálico é meu.
Boa noite.
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