12 dezembro 2010

(722) II APRENDENDO COM ANTERO DE QUENTAL.

Vila do Conde, 26 de Julho de 1884

Meu simpático Amigo
(Henrique das Neves)


Há não sei quantos meses lhe devo uma carta e só agora me é possível escrevê-la […]

Mas tenho que tocar nisto porque desejo muito que o meu amigo fique certo de que foi exclusivamente este embaraço e quase impossibilidade (“o estado desgraçado dos nervos “que não lhe permitiam que escrevesse) que me inibiu de cumprir com a promessa de escrever alguma coisa no seu jornal - A Gazeta Açoriana - , e que foi com pena que o vi acabar - a 30 de Abril de 1883 - antes de eu ter podido desobrigar-me.

Quanto ao jornal, sem ser astrólogo eminente, tirei-lhe o horóscopo logo à nascença, e concluí do seu mesmo merecimento que brevíssima lhe seria a duração.

O que diz do jornalismo em São Miguel (e devia dizer em Portugal) são verdades puras.

Mas deixe-me dizer-lhe – e nisto é que não é suficientemente filósofo objectivo – que elabora em ilusão supondo que é possível criar e fazer durar uma publicação superior em moralidade e ilustração ao nível moral e intelectual do público.


É ilusão supor isso, porque não lendo ninguém senão o que lhe agrada, o público nunca favorecerá senão o que estiver à sua altura, e por isso o jornal para durar, será sempre e necessariamente o espelho lisonjeiro do público e não o seu mestre severo.

Os jornais só vivem fazendo-se os confidentes de comédia do público, das suas paixões, dos seus erros, das suas ilusões, e não os seus apóstolos.

Bem sabe que o próprio do apóstolo é ser lapidado.

Dir-me-á que nalguns países há jornais dignos, morais, inteligentes e desinteressados que se sustentam.


Responder-lhe-ei que isso prova simplesmente que nesses países há já um grupo de leitores, uma camada social dotada dessas virtudes e qualidades, forte bastante em número para poder sustentar um jornal que seja órgão dessas suas aspirações.


A morte do seu jornal é mais uma prova de que em Portugal não existe ainda tal camada social ou grupo de leitores.

Isso é desconsolador, mas … qu’y faire?

Muito tempo será necessário, e muitas revoluções, para que isto mude.


Até lá a nossa atitude deve ser a dos estóicos antigos: o protesto sem ilusões.


[…] Do seu amigo muito Obrigado.


Anthero de Quental


In Obras Completas /Antero de Quental /Cartas II 1881-1891 /Universidade dos Açores
/Páginas 708 e 709.

O itálico é meu.

Boa noite.