23 dezembro 2006

BARREIRO DE LUTO

Quando à primeira,
a vi,
não entendi a mensagem.



Nem liguei !


No dia seguinte, de manhã ,

(pouco passava das oito ) ia para a praia com os meus cães ,

na Avenida da Praia , encontro-a de novo.

(demoradamente olhei para a arte criativa .)

A subjectivação da imagem, transportou-me para um passado, negativo, de miudo no Barreiro Velho:


- Cala-te rapaz !
- os Santos estão tapados com panos pretos porquê ?
- Cala-te !
- Porque estão de luto !
- porquê …?
- Cala-te rapaz !
- … ainda levas !


O pior vinha depois, no exterior da igreja , na procissão do Corpo de Deus.


Cristo ia no caixão .


(vestido de Roxo. )


As ruas às escuras.


Os que orientavem a procissão batiam com umas tábuas ;

traaaa tra traaaaa traaaaaaa

tra traaaaaaa

mais atrás a Banda da CUF ;


bum !


bummmm bum !


bum !
bummmm bum !


tudo aquilo, metia medo.


(aos adultos não sei.)


No enterro, ( faz de conta) não havia a habitual carreta preta do senhor Florentino,

( a carreta branca era para os anjinhos)

nem as habituais correrias dos miúdos para passar à frente , como se fazia nos funerais até este entrar no Cemitério da CUF .


Este funeral ( faz de conta) era diferente;

não havia cemitério, nem covas, onde por vezes ,os miúdos mais abelhudos, caiam nelas antes do caixão.


Recordei também o luto, e os adultos com um fumo - preto no braço.


(para mim não passava de mais uma braçadeira , igual à dos jogadores da bola, mas de cor diferente.)


Outros usavam, como reforço do luto, um bocado de pano preto na banda do casaco.
Os homens andavam de chapéu preto, com um pano preto à volta.


As mulheres de luto, vestiam-se de preto,
e tapavam a cabeça, com um lenço, durante um longo tempo.


Por volta dos meus oito anos, a minha avó materna morreu e vestiram-me de preto.


(Os meus primos não escaparam. )


(sempre associei a cor preta à desgraça e a coisas más, e também por ver passar no Barreiro Velho, carroças desengonçadas puxadas por mulas magras ,com cães escanzelados presos, com arames, à traseira.


nas carroças vinham algumas pessoas vestidas de preto, que saiam depois ao escurecer.


diziam-me que eles roubavam os miúdos, para depois andar a pedir esmola.


vestido de preto, ainda pensei , que iria ficar como eles )


Depois, em sinal de luto, a família retirou de casa , durante dois anos, o meu maior amigo e companheiro.
A minha querida telefonia .


(uma Philips ,que guardo como relíquia na minha casa ,depois do meu filho a trazer de casa dos avós.)


Quando a Philips, voltou para o lugar dela , na cozinha, trazia baratas.


Foi o pandemónio.
Todos gritavam naquela casa.

(menos eu.)


Fiquei vingado !


E agora ,

quem me vinga ?